Anjos da Floresta


escrito por: Tricia em terça-feira, outubro 24, 2006 às 4:49 PM.



No Amapá, pontinha do Brasil, mulheres sem diploma, nem alfabetização, têm garantido a queda no número de cesarianas e nas taxas de mortalidade materna e infantil. São as parteiras, que ajudam mulheres que vivem à beira dos rios e nas florestas, a dar à luz a brasileiros e brasileiras sem plano de saúde ou INSS

As parteiras existem desde sempre, mas só há sete anos são reconhecidas.

Isso, no Amapá, onde trocam, com médicos, experiências sobre como trazer vida ao mundo. Ganham, do governo, meio salário mínimo por mês e são responsáveis pelas estatísticas que fizeram do estado, o campeão de partos normais no Brasil: 88%.

O relacionamento entre eles é um mar de rosas - literalmente, pois não faltam espinhos. Afinal, os homens de branco estudaram - e muito - para ter o controle do parto nas mãos.

Elas, não. São pescadoras, agricultoras, artesãs, benzedeiras, índias, castanheiras, lavadeiras, extrativistas, donas de casa, na maioria analfabetas. Em compensação, conhecem a biologia feminina o suficiente para saber que respeitar o ritmo do corpo e a mulher, prestes a dar à luz, é fundamental para diminuir a dor e o tempo do parto.

E a população amapaense respeita e confia nas parteiras. Mais que ajudantes da mulher prestes a ter um filho, elas atuam como agentes de saúde, conselheiras, curadoras da família e dos necessitados, na medida em que conhecem as comunidades, seus segredos, intimidade e dramas que se desenrolam na mata e nas vilas.

Por tudo isso, está no cotidiano delas o ponto de partida para a discussão sobre o parto humanizado, que ganha corpo no Brasil e em vários países desenvolvidos. Essa nova (velha) prática consiste em garantir às mulheres o direito ao parto natural, em um ambiente em que se sintam seguras e no qual se respeitem seu bem-estar, sua intimidade e suas preferências pessoais e culturais.

Arte de Partejar - "No Amapá, parteiras fazem a maioria dos partos e não temos casos de mortalidade materna. A mulher escolhe onde quer parir e pode contar com um acompanhante e duas parteiras.

Desse jeito, a criança já nasce feliz. Tem mulher que nunca pariu no hospital e tem 10, 12 filhos", comenta Maria Teresa Bordallo que, como suas colegas, orienta as gestantes a fazerem o pré-natal e acompanha toda a gestação.

Só casos de alto risco são levados ao hospital, com diagnóstico. E, mesmo assim, só depois que as orações para Nossa Senhora do Bom Parto e à Santa Margarida não dão resultados, o que é raro acontecer.

As parteiras se acham escolhidas por Deus para a arte de partejar. Acreditam que se torna parteira aquela que chorou no ventre materno. O aprendizado do ofício, afirmam, é transmitido também de modo meio mágico: revelado em sonho ou depois de doença grave...

"Quando unimos o saber popular com o saber científico as coisas melhoraram", afirma Maria Teresa, presidente da Rede Estadual das Parteiras do Amapá.

"Mas se o médico foi para a escola, nós temos um dom de Deus."

E - complementemos - um "hospital" próprio, a Casa de Parto de Oiapoque, a primeira da Amazônia, funcionando desde novembro de 2001. "É como se fosse a casa da parteira, para quem não pode ter o filho em sua própria casa, por problemas de estrutura, asseio...", explica.

Bênçãos à parte, em estudo feito com 200 parteiras do Amapá, descobriu-se que 53% são casadas, 15% solteiras, 20% viúvas e 12% separadas.

A média de idade é 54,6 anos e a fecundidade de 8,4 filhos. Partos assistidos: cerca de 381,5 cada uma. Como suas pacientes, habitam áreas carentes, exercem sua arte sem garantia trabalhista, muitas vezes recebendo, como paga, um punhado de milho ou uma galinha caipira.


Vitória do 'Primitivo' - A prática dessas parteiras se repete em pontos distantes do Brasil e começa a alcançar o chamado sul maravilha. Sem as rezas, sim! Mas partindo do mesmo princípio.

No Rio de Janeiro, por exemplo, as enfermeiras obstetras Marilanda Lopes e Heloísa Lessa desenvolvem o projeto "Manhê": "Assistimos parturientes em nosso consultório desde o pré-natal, que inclui três consultas domiciliares, para que ela escolha o local de sua casa onde terá o bebê e para planejarmos o material a ser usado. Nosso projeto é centrado no estudo teórico da ecologia do parto e temos um obstetra e um pediatra na equipe. Como suporte, uma clínica padrão para eventuais casos de internação."

Em abril, na capital fluminense, a Fiocruz e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) realizaram o Congresso Internacional de Ecologia do Parto e do Nascimento, para debater o parto mais como uma celebração humana que um ato médico.

Mas, a estrela do encontro não foi uma parteira e, sim, o médico francês Michel Odent, coordenador do programa "Parteiras Francesas", especialista em partos domésticos e defensor de sua humanização.

Ele é contra a interferência exagerada dos médicos na evolução natural do parto, e é crítico ferrenho da "epidemia de cesarianas" ocorrida no século 20 - a Organização Mundial de Saúde considera aceitável uma taxa de cesárea não superior a 15% ao ano. "Hoje, bebês vêm ao mundo com dia e hora marcada. O médico antecipa o nascimento rompendo a bolsa, forçando a dilatação do colo do útero com o dedo, controlando as contrações com soro", enumera Marilanda Lopes, também professora de Obstetrícia da Faculdade de Enfermagem da UERJ.

É condenável para Michel Odent, ainda, a conversa com a parturiente durante o trabalho de parto. "O médico tem de apoiar, sem verbalizar, sem estimular o neo-cortex (a parte do cérebro que nos deixa em alerta). Conversar impede que seu cérebro primitivo se manifeste. E é ele que leva a pessoa a fazer coisas que não faria em sã consciência, como gritar e ficar em posições que facilitam o nascimento do bebê", esclarece a professora.

E vai além: um ambiente doméstico, dentro da realidade da paciente, e acompanhantes de sua escolha também facilitam seu contato com o eu interior.

"Dessa forma, ela libera hormônios, presentes durante a evolução do trabalho de parto, e morfinas naturais do organismo (as endorfinas), que são analgésicos potentes, capazes de diminuir a dor natural do momento."


"Qualquer olhar externo, insiste o francês, inibe a evolução natural do parto." E isso vale para a equipe médica - com muitos estranhos -, e para a filmagem do nascimento, tão em moda nas maternidades top do País. Mulheres atendidas dentro dos princípios de Odent levam de 4 a 6 horas em trabalho de parto. No método atual, os livros de obstetrícia descrevem partos de 12 a 18 horas.

Estudiosos e defensores do parto humanizado, no entanto, acreditam que o nascimento pode ser rápido e seguro não só nos domicílios ou casas de parto.

Os hospitais e centros de nascimento também podem adaptar-se à velha e vitoriosa prática de não interferir no ritmo da natureza, dispensando palmadas, luz no rosto e excesso de tecnologia em nome da vida.

“Comecei a fazer parto com 16 anos por conta de uma necessidade. Vivia na margem do Amazonas e lá não tinha parteira. Saíram para buscar uma e me vi só com a sra. Domingas. Aí, tive de fazer o parto. “Acho que já fiz mais de mil, sem nunca ter perdido uma mãe ou um filho. Mas o mais difícil foi dentro de um avião. Só fazemos partos de baixo risco, de alto risco encaminhamos para o hospital. Só que nesse não teve jeito, estávamos indo para o hospital. A criança nasceu com 5 quilos.” - Teresa Bordallo, 52 anos, presidente da Associação do Movimento das Parteiras Tradicionais do Oiapoque, que reúne 118 profissionais, e da Rede Estadual das Parteiras Tradicionais do Amapá.


“O primeiro parto que eu fiz foi o da minha mãe. Tinha 12 anos. Foi uma surpresa muito grande. Meu pai foi buscar a parteira, minha mãe chamou minha irmã de 14 anos, mas ela não teve coragem. Daí, ela me chamou e eu fui. Ficamos só nós duas no quarto e mamãe me dizia o que fazer. Depois que eu terminei, chegou a parteira. “Com o tempo, passei a ajudar a madrasta do meu pai, que também era parteira. Eu amarrava o umbigo, dava a tesoura, fazia a oração para ajudar a descolar placenta colada... “Fiquei uns dez anos sem fazer parto, mas não teve jeito. Um dia, voltei para casa, e minha cunhada estava dando à luz. Fiz o parto. Meu sobrinho nasceu, mas não respirava. Bati a tesoura no prato, fazendo zoada perto da cabeça dele, o prato quebrou em cima dele e ele despertou.” - Balbina Loureiro Dias de Lima, 47 anos


Tania Regina Pinto

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FONTE:

Data: 29/06/2002
Fonte: O Estado de S.Paulo
Local: São Paulo - SP
Link: http://www.estado.com.br/

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Tricia Cavalcante: Doula na Tradição, formada pela ONG Cais do Parto, mãe de três, e doula pós-parto.Moro em Fortaleza-CE.


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