uma história de amor


escrito por: Tricia em terça-feira, novembro 28, 2006 às 1:30 PM.

Perto de ser avó, Joana D' Arc, 47 anos, viu jorrar leite do peito para amamentar o filho adotivo

Marcelo Abreu
Da equipe do Correio

Como milagre, começa essa história. E ele, o milagre não esperado, veio jorrando, farto, vigoroso como a própria vida. Nos braços da mulher, a prova inquestionável do feito. Joana D´Arc Dias Costa não se contém. E se pergunta, cada vez que sente o milagre pulsando do seu corpo: "Será que estou vivendo isso mesmo, meu Deus?" Ao sentir o filho sugando o seu peito, ela tem certeza de que não é apenas um sonho.

Essa história era improvável. Até o dia em que o marido, perplexo, indagou à mulher, enquanto ela dava o peito ao filho: "O que é isso branco no canto da boca dele?" Joana tomou um susto. E comprovou, experimentando o próprio líquido: "É leite". E repetiu, como se ela mesma não pudesse acreditar no que seus olhos viam e sua boca sentia: "É leite, é o meu leite…"

Às vésperas de completar 47 anos, entrando na menopausa e com consulta marcada para ver a taxa de hormônios e começar o tratamento de reposição, Joana amamentava o filho recém-nascido. Detalhe: ela não o pariu. Adotado aos sete dias de nascido, o bebê, ao primeiro contato com a mãe adotiva, procurou o seu peito. Ele chorava muito. Eram noites insones e de completa impotência. Havia anos Joana não sabia o que era aquilo. Para acalmá-lo, ela o deixava sugar o peito. "Aí ele parava de chorar e dormia", lembra. Ao sugar o peito da mãe, ela lhe contava historinhas. Embalava-o com músicas de ninar. Às vezes, exaustos, dormiam mãe e filho, juntos.

E assim se passaram 15 dias. No peito da mãe, a mesma procura, o mesmo acalanto. Era o refúgio do bebê adotado. Quando ele completou um mês, numa noite, sem pedir licença, o leite jorrou do peito de Joana. E veio forte. As quatro filhas biológicas, com idades que variam de 21 a 26 anos, também não acreditaram. Nem o marido. E o recém-nascido, indiferente ao espetáculo da vida que protagonizava, mamou com sofreguidão. E o choro coletivo fez aquela família de Taguatinga soluçar.

O miudinho mamou tanto, que chorou ao largar os seios fartos da mãe. Aos 47 anos, sem ter ficado grávida e com a última filha nascida há mais de duas décadas, Joana estava amamentando uma criança. Naquela noite, em lágrimas, ela entendeu o milagre que batia à sua porta. O nome dele? Lucas de Jesus. Local de nascimento: São José da Tapera, em Alagoas, a 240km da capital Maceió, um dos municípios mais pobres do país, segundo dados do IBGE. É lá que começa essa história de milagre.

No dia 14 de maio deste ano, Dia das Mães, Lucas nasceu. A mãe, uma moça de 25 anos, solteira, agricultora no sertão, havia acabado de dar à luz o quarto filho. E estava decidida. Não ficaria com o bebê. Alegou falta de condições materiais para criá-lo. A pobreza a atormentava. Em janeiro, Joana, o marido, as filhas e um grupo de voluntários da igreja onde congregam, foram ao sertão de São José da Tapera. Há 10 anos, ela coordena um trabalho de ajuda aos que nada têm. Eles enchem um ônibus de mantimentos, todos de doação, e vão até cidades bem distantes e miseráveis do país.

Lição de sabedoria
A vida testou Joana desde que nasceu, em Teresina, no Piauí. Filha de um homem que consertava bicicletas e de uma costureira, tudo sempre lhe foi muito difícil. Para estudar numa escola particular da cidade, as madres superioras, muito compadecidas, fizeram-lhe uma contrapartida. Ela limparia os banheiros, faria a faxina das salas e ganharia uma bolsa de estudos. Sem hesitar, a menina aceitou. E limpou chão e lavou banheiros, todos os dias. As amigas da escola elegante não queriam sentar-se perto dela. Motivo? Ela era negra e pobre. Limpava chão.

Um dia, a menina mirradinha de olhar curioso deixou Teresina. Veio morar em Brasília, sonhando com os estudos. Parou na casa de parentes. E aqui, com dificuldade, formou-se em pedagogia. E jurou a si mesma que levaria educação e cidadania aos mais necessitados. Casou-se, vieram as filhas e, juntos com amigos da igreja, criaram o Projeto Jesus Expansão do Amor. Há quase 10 anos, sempre em julho e janeiro, o grupo percorre os lugares mais miseráveis do Brasil promovendo cursos de alfabetização, reciclagem, noções de saúde e prevenção de doenças. Levam o que de melhor o ser humano pode receber: cidadania.

Voltemos, então, ao último dia 14 de maio, domingo das mães. O telefone da casa confortável e espaçosa de Joana, em Taguatinga, toca. Era uma funcionária do fórum de São José da Tapera. Conta-lhe que uma moça havia acabado de dar à luz e que iria deixar o bebê para adoção. No dia seguinte, na segunda-feira, depois de uma bateria de exames, Joana se submeteria a uma plástica nos seios, para corrigir a flacidez causada pela própria idade.

A família se reuniu. As quatro filhas e o marido, Carlos Alberto Silva, 44, deixaram com ela a decisão final. No dia seguinte, insone, Joana decidiu: adiaria a plástica e partiria em busca daquela criança. Na mesma segunda-feira, o casal partiu para a distante São João da Tapera. De avião, chegaram até Maceió, depois, horas de estrada até a cidadezinha.

Diante do juiz, a moça, que não teve contato com Joana e Carlos, ratificou o que dissera assim que o bebê nasceu. Não queria aquela criança, o então companheiro, além de mandar que ela abortasse, ainda a deixou sozinha, com outros três filhos para criar. O juiz a fez entender que a decisão tiraria dela todos os direitos sobre o filho. A moça estava decidida. E entregou o bebê à adoção.

Novos pais
Aos sete dias de vida, Lucas – nome dado pela mãe biológica nas 24 horas em que manteve contato com a criança – chegou às mãos de Joana. "Na hora que o peguei no colo, senti amor igual ao das minhas quatro filhas. Era como se eu mesma tivesse dado à luz." Mãe e pai voltaram a Brasília com o bebê no colo. As filhas os esperavam com festa. Mas, até então, só havia a guarda provisória. "Mantivemos o mesmo nome porque não sabíamos quanto tempo ele ficaria conosco. Nem se o juiz nos concederia a guarda definitiva. E além disso já havia uma certidão de nascimento, só com o nome da mãe biológica", explica ela.

Com um mês, o leite encheu os seios de Joana. Aumentou-lhe o volume. Deixou-os fartos. "Senti a mesma coisa quando tive minhas filhas." Em agosto, os pais adotivos voltaram a São José da Tapera. E lá, diante do mesmo juiz, receberam a guarda definitiva do bebê. Ele virou Lucas de Jesus Dias Costa. Hoje, aos seis meses, pesa 9kg e mede 70cm. E já está na natação. Nunca adoeceu, nem mesmo uma gripe. É um touro. O médico comprovou que o leite de Joana é forte e tem todos os nutrientes de que uma criança precisa. E o danado mama todos os dias. Abre o bocão quando tem que parar. "A dieta do pediatra, agora, inclui sopinhas e mingau. Mas ele só quer o peito", gaba-se Joana, entre risos e lágrimas.

No fim da manhã de ontem, Joana amamentava o filho. Enquanto sugava o peito da mãe, Lucas acariciava-lhe o rosto com as mãozinhas gordas. Emocionada, ela deixou escapar: "Quando me preparava para ser avó, virei mãe. Eu agradeço todo dia por esse milagre. Nós é que fomos ajudados por ele". E admite: "Eu choro mesmo, todo dia, mas de felicidade". Na vida de Joana, quase tudo foi improvável. Até fazer jorrar leite, quando leite não havia mais.

FONTE:Correio Brasiliense

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Tricia Cavalcante: Doula na Tradição, formada pela ONG Cais do Parto, mãe de três, e doula pós-parto.Moro em Fortaleza-CE.


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